sábado, maio 14, 2011

Ponto de intersecção, meu ilhéu!

Abri o livro e lá estavas tu, escarrapachado logo no primeiro poema que li.



Talvez um ponto de intersecção

Dizes com o olhar aquilo
Que desdizes quando juntas as letras
Dizes com a ponta dos teus dedos
Aquilo que negas quando escreves
Dizes com os lábios fechados aquilo
Que sufocas quando constróis frases

Dás tanto num gesto
Pedes tanto com o olhar
Retribuis tanto calado
Para melhor negares quando
Escreves e dizes que não acreditas
Que escrever É gritar sem ruído

Para ti escrever é negares-te
Negares até à exaustão
O que queres, o que desejas
O que és, o que queres ainda acreditar
O que queres ainda viver

O teu escrever não é
Expressão, é calar
Empurrar para dentro
É enxotar, afastar
É um chega para lá

Fazes-te ilha despovoada
Sem o seres
Fazes-te habitante
Isolado, sozinho como
Tu pensas que és mas não
Como desejas ser

Nessa solidão auto imposta
Temperada de azedume
Descrença, desconfiança
Tremes, estremeces, acordas
E gritas: Olha eu aqui! Aqui!
Não me vês?

Sim! Vejo-te a gritar nesse silêncio
Vejo-te a pedir, quase a rogar
Que eu, visitante indesejada e desejada
Faça uma incursão à tua ilha

Chego e pouso levemente
E levemente me acolhes
Quase te dás, quase
Quase te entregas, quase
Quase já acreditas
Que talvez gostes da visitante
Que talvez estejas cansado
De ser ilhéu
Quase

E quando levanto voo
E parto, tu, meu ilhéu querido
Em quem tu não acreditas
(mas eu acredito)
Vens com palavras mudas
Dizeres-me que não acreditas
Dizeres que Não
Que não sabes, que não és, que não queres
Dizer
Que Não

Meu ilhéu que nasceu
Para ser povoado, meu ilhéu
Que nasceu com coração
De continente, em que ficamos?
Eu num ultra-leve, num sobe-e-desce
Em agonia, perdida de agitação
Dos ventos, das emoções
A queres acreditar
Que sou boa companhia
Para mim, para os outros
Boa, para ti

E tu aí, a quereres
Convencer-te, a quereres
Convencer-me que não
Que não és boa companhia
Nem para ti, nem para os outros
E muito menos para mim

Diz-me
Meu ilhéu calado
Meu ilhéu despovoado
Que gritas sem ruído
Onde está, então, o nosso
Ponto de intersecção?!

Maria Paula Marques - Poemas do Sentir

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